A Arranjadora

16-04-2020

Sónia Machado

Tive um professor que me disse, um dia

As pessoas pagam-nos para nos pensarmos. Somos uns privilegiados.

Que frase bonita, pensei na altura, jovem. É verdade, penso hoje. Que privilégio. E que exigência.

Os meus pacientes dão-me tanto, ensinam-me a vida de tantas maneiras.

Há profissões que suscitam prazer, a minha dá-me forma. Olho para os momentos em que me sinto imensamente pequena, como se no topo de uma montanha e à minha volta só deserto. Silêncio. E as singelas palavras o instrumento forjado para a comunicação entre universos, termos comuns que todos entendemos no vulgo quotidiano, transpondo o que nos individualiza, para dar a mão ao outro - não estás só. Entendo.

Entendo o que dizes, o que sofres. Como um artista sente uma música, e com ela cria um novo arranjo. Sentir o outro, apreendê-lo, reproduzi-lo, e com ele compor outra versão de si; requer muito respeito pela arte e por quem se senta na outra cadeira, mantendo sempre o instrumento (eu) afinado.